sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Que capitalismo é esse? Parte I: Rentismo

   

        O Capitalismo Brasileiro é como um Elefante Rosa ou um Sapo Voador, só sendo ingênuo como uma criança para acreditar… Um exercício interessante é ouvir Legião e substituir na letra a palavra “país” por “capitalismo”...



            O fato é que o Brasil não vive um sistema capitalista pleno. Diria que, em uma escala de 0 a 10, nosso capitalismo é nota 3 ou 4. Nossa sociedade e economia é construída de tal forma que inibe fortemente a livre iniciativa. Nós temos uma estrutura de constrangimento de nossas melhores capacidades individuais para produção de riqueza.

            Não pretendo discutir ideologias, pretendo me ater ao pragmatismo econômico. O fato é que no Brasil predomina um sistema econômico rentista. Recai sob a parcela ativa da população sustentar os rentistas.  Em poucas palavras o que é um sistema econômico rentista?

            O sistema econômico rentista em primeiro lugar se baseia na absorção de riqueza por uma classe que não produz nada. Obviamente quanto mais rentista um país, menor sua produção de riqueza. Todo rendimento auferido de juros e aluguéis nada mais é do que apropriação do valor do trabalho alheio e da produção alheia.

            Um dos problemas ao desenvolvimento de um capitalismo pleno no Brasil é que toda a estrutura governamental é desenhada de forma a favorecer  o rentismo. O rentismo no Brasil está entranhado de tal forma na economia e na sociedade que às vezes não nos damos conta do quão rentista somos.

            No Brasil temos a intenção de ganhar o máximo possível sem trabalhar ou produzir. Isto não é capitalismo! Isso só é possível se a estrutura da sociedade deturpa os incentivos à livre iniciativa. Como pode o Imposto de Renda sobre aplicação de Renda-Fixa ser inferior ao Imposto de Renda do trabalhador? Curioso não? Que tal viver de renda? Não produzir absolutamente nada e viver de juros ou aluguéis? Bom não é? Dá para ir para praia todo dia, sair para beber e viajar…  E se todos fazem isso? Pois é, a conta não fecha!

         No topo da cadeia rentista estão os rentistas puros.  Não importa se o governo é de esquerda ou direita, a estrutura pró-rentismo sempre esteve presente. Durante alguns longos anos, os juros reais mais altos do mundo possibilitavam alguns poucos viverem de renda de simples aplicações financeiras de Renda-Fixa. Ao forçar a queda real da taxa de juros para patamares próximos de zero, o capital rentista está presente em outra forma de capital: terras e imóveis. Aluguéis hoje sustentam o rentismo puro no Brasil.

           Não se está aqui querendo estabelecer um conflito de classes. O rentismo pode estar presente nas classes de renda mais baixas. Acredito que no Brasil não avaliamos os custos e benefícios de programas sociais de distribuição de renda de forma satisfatória. Não me oponho a programas sociais, mas os custos e benefícios devem ser bem fundamentados uma vez que pode gerar o incentivo às pessoas a não produzirem. Citando Milton Friedman: "One of the great mistakes is to judge policies and programs by their intentions rather than their results". 

          Temos ainda no Brasil outra forma de rentismo. A lógica de ganhar o máximo possível produzindo o mínimo possível. Esta  lógica é bem estruturada pelo aparelhamento do Estado. O Estado Brasileiro em todas as suas esferas tem uma folha salarial invejável. Como todos querem ter estas excelentes remunerações, com estabilidade, não surpreende que os concursos públicos sejam extremamente concorridos. Pois é, da forma como estamos estruturados hoje, o Estado retira da iniciativa privada o melhor do capital humano do país. Me incomoda imaginar que boa parte dos maiores QI’s do Brasil não sejam remunerados em função de sua produtividade.
            
      Como estamos falando de Brasil, nada melhor do que uma analogia futebolística. Imaginem por exemplo se houvesse uma estrutura pró-rentismo no futebol brasileiro. Que tal se Pelé tivesse feito um concurso em 1958 que lhe garantisse naquela data seu salário do Cosmos. Ou se Romário fizesse mesmo concurso e garantisse seus salários de época de Barcelona logo no início de carreira, independente de quantos gols fizesse por temporada. Teriam ambos feito mais de 1000 gols? Duvido muito… Treinar e jogar pra que?

           Quanto ao “crowding out” de capital humano do Estado Brasileiro, é exatamente isto que ocorre. Boa parte das pessoas mais bem preparadas do país tem sua capacidade de produção limitada por uma estrutura de incentivos distorcida. Este efeito é tão mais danoso quanto maior o tamanho do Estado.

         Se os incentivos fossem colocados do modo correto a lógica seria nós brasileiros querermos produzir o máximo possível para ganhar o máximo possível.  Quantos Pelés e Romários hoje em dia no Brasil vivem de renda e não fazem gol algum (não produzem nada)? Quantos Pelés e Romários hoje em dia jogam como Charles Guerreiros fazendo o feijão com arroz quando podiam estar fazendo a diferença?


             Concluo que existe no Brasil um peso imenso de natureza rentista que “sufoca” e limita o setor produtivo. O gigantesco Estado contribui, seja fomentando o rentismo puro, ou limitando o melhor do capital humano brasileiro a uma estrutura de incentivos contraproducente. 

7 comentários:

  1. Muito bom texto. Quanto à questão do Estado absorver os melhores talentos, é complexo. Trabalhei bastante tempo na iniciativa privada, como muitos amigos nas mais diversas áreas; o lance é que o rentismo também se dá na hierarquia empresarial: os níveis mais altos ganham muito mais, numa diferença não proporcional, aos níveis inferiores (essa diferença é muito menos relevante na Europa, por ex). E o capitalismo empresarial brasileiro não é capitalismo de fato, como você citou, nas relações (qualquer um que trabalhou de fato numa empresa nos eua ou na europa ocidental, frança à parte, sabe como a meritocracia de fato funciona, e não essa bagunça que temos por aqui). Junte-se a isso um mercado de trabalho travadíssimo, uma cultura dos "amigos do rei" (ou você é, ou você não é), e você tem toda a cultura brasileira empurrando gente boa pro funcionalismo público, onde o cara pra se garantir depende apenas dele mesmo. Acredite, o grosso da galera que entra nos grandes cargos ultimamente tá fugindo da "privada", como gostam de falar, muito por conta de ter trabalhado muito e ganhado pouco por muitos anos, de ver gente sem competência passando na frente por ser amigo de não sei quem etc. Essa visão "oba, vou ter um empregão + estabilidade" costuma ser mais frequente nos milhares de concurseiros que enchem o bolso dos cursinhos mas dificilmente acabam passando. Muita (muita , muita mesmo!) coisa no funcionalismo deveria melhorar, mas no conceito não acho ruim que o Estado absorva boas cabeças (aliás só conseguirá mudar e se tornar minimamente eficiente se tiver essas cabeças). Sou contra o tamanho absurdo do estado e sua ineficiência abissal, mas concordo com você que a cultura de empurrar a galera para uma situação de baixa produtividade e cobrança é ruim para um país como um todo. É que para isso mudar muita coisa deveria mudar no ambiente de negócios brasileiro...

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  2. No livro formação econômica do Brasil do Celso Furtado, ele já dizia que logo após a libertação dos escravos houve um problema óbvio de oferta x demanda de mão de obra já que os ex-escravos saíram das propriedades rurais. Aqueles que ficavam poderiam ter um salário que garantisse a subsistência semanal com apenas 3 dias de trabalho efetivo. Que chance de auferir renda, não? Mas o modelo mental de subsistência dos escravos o faziam trabalhar apenas esses 3 dias, pois trabalhar era extenuante e, não raro, ligado ao sofrimento.
    Essa é nossa matriz de pensamento que vige até hoje. Infelizmente.

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  3. Esse é um problema e uma solução. Sou funcionário municipal em uma grande capital e vejo talentos desperdiçados, é verdade, mas vejo também servidores que gerem recursos bilionários sem nível superior, sem a menor capacidade para tanto.

    Na verdade me preocupa muito mais a falta de mentes no poder público (em especial nos cargos de direção) do que o esvaziamento desses talentos do mercado de trabalho.

    Cabe ressaltar algo que talvez o cidadão comum não conheça, o que faz sangrar o funcionalismo público é a falta de meritocracia na escolha dos cargos comissionados e na ascensão nas carreiras. Isso tem 2 efeitos: a) o desinteresse dos servidores competentes b) o poder decisivo nas mãos de pessoas desqualificadas.

    Por fim, rotular os servidores de "rentistas impuros" é uma tremenda injustiça. São, como você mesmo disse, as pessoas mais qualificadas do país e são as únicas preocupadas com a prestação do serviço público.
    JC

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    1. JC,

      Nao devemos generalizar. Existem sim muitos servidores publicos bem produtivos. Entretanto, os que o sao, sao muito mais por orientacoes eticas e valores proprios do que direcionados pela estrutura de incentivos a produtividade do setor publico.

      Este eh o ponto. Os servidores improdutivos podem portanto ser classificados como rentistas. Isso porque o unico momento em que ele foi produtivo foi quando fez a prova do concurso.

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  4. Concordo com seus primeiros dois parágrafos. Entretanto:

    Estou entendendo direito ou você está sugerindo indiretamente que remuneração sobre o capital é algo incorreto? Se eu trabalho vinte anos, poupo, e em seguida empresto meu capital (trabalho) acumulado, devo fazê-lo de graça? O juro nada mais é do que uma compensação pelo adiamento do uso do capital e pelo risco de calote, oras.
    O imóvel, da mesma forma, não surgiu do nada. Alguém trabalhou e poupou para comprá-lo.
    Assim ocorre em todos os países desenvolvidos. Assim é em países capitalistas. O capital é remunerado.

    O que há no Brasil é uma taxa de juros muito elevada para papéis, em teoria,
    livres de risco, o que certamente acaba se tornando um desestímulo à livre iniciativa.

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    1. O capital deve ser remunerado, faz parte do sistema capitalista.

      Em nenhum momento se questionou isso.

      O ponto abordado do inicio ao fim foi o do rentismo. Um exemplo, um individuo com $1milhao de dolares nos EUA, Alemanha, Japao... Nao pode se dar o luxo de antecipar aposentadoria.

      Ja no Brasil ao longo de decadas esse valor era bem razoavel para que o sujeito pudesse parar de trabalhar.

      Indiscutivelmente o Brasil sempre foi um pais pro-rentismo, este foi o ponto discutido.

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    2. A sua afirmativa só é verdadeira em razão dos juros historicamente altos. O resto é só exploração regular do capital acumulado, que existe em qualquer lugar.

      A alternativa para o rentismo é a abertura de mercado, aumenta-se o ambiente competitivo e os privilégios são desfeitos. Os valores depositados em razão do rentismo dão lugar a investimentos no setor produtivo e a economia cresce..

      O problema é que até o momento nós só tivemos experiências traumáticas com a abertura econômica..

      JC

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